"A relação entre psicanálsie e literatura é, sem dúvida, tensa e conflituosa. Em primeiro lugar, os escritores sempre sentiram que a psicanálise falava de algo que eles já conheciam e sobre o que era melhor guardar silêncio. Faulkner, Nabokov, Borges (entre outros) observaram que o psicanalista quer intervir naquilo que os escritores, desde Homero, têm convocado com essa rotina cerimoniosa com que se convocam as musas, em relações muito frágeis e sempre tocadas pela graça. Nessa relação impossível de se estabelecer deliberadamente, nessa situação de espera tão sutil, os escritores sentiram que a psicanálsie avançava como um louco furioso. Mas há outro ponto sobre o qual os escritores disseram algo que, na minha opinião, pode ser útil para os psicanalistas. Nabokov e também Manuel Puig - nosso grande romancista argentino - insistiram em algo que os psicanalistas raramente percebem ou explicitam: a psicanálise gera muita resistência, mas também muita atração. A psicanálise é um dos aspesctos mais atraentes da cultura contemporânea, e isto porque todos nós queremos ter uma vida intensa. Gostamos de admitir que, em algum lugar de nossas vidas banais, experimentamos grandes dramas, que quisemos matar nossos pais e que, portanto, vivemos num universo de grande intensidade, em que conseguimos superar o tédio, a monotonia em que habitualmente estamos mergulhados. O psicanalista nos convoca como sujeitos trágicos; diz que há um lugar em que todos somos sujeitos extraordinários, lutando contra tensões e dramas profundíssimos, e isto não é muito atraente. Assim, Nabokov (1899-1977) via a psicanálise como um .....
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1998
PIGLIA, Ricardo. O melodrama do incosciente. O Estado de São Paulo, 21/06/1998. (Texto integral)
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