Julio Cortázar
Entrevista concedida à Julio Contreras em 1978, permaneceu inédita até 1989, quando foi publicada em La Gazeta de Cuba e republicada na revista Nossa América, abril de 1989, de onde foi extraída.
- Julio, você se lembra das primeiras coisas que escreveu?
Quem se lembra muito bem é minha mãe, que tem tudo guardado com ela. São sonetos, poemas que escrevi aos nove, dez anos, uma tentativa de romance que eu gostaria muito de reler. Quando vi minha mãe pela última vez, ela não quis me dar o material com medo que eu fosse queimá-lo. Ela tem tudo isso guardado a sete chaves e eu nunca pude ter isto em mãos!
- Qual foi a primeira coisa que você publicou?
Depois de ter atirado muitos contos no lixo, muitos poemas também, chegou finalmente o momento em que escrevi uma série de sonetos que me pareciam publicáveis. Então, fiz uma pequena edição de 250 exemplares, só para os amigos. Este livro não se encontra em parte alguma. Eu o publiquei com pseudônimo, o que demonstra que eu tinha meus receios. O livro se chama Presença e o pseudônimo é Julio Diniz. Com meu verdadeiro nome o primeiro livro que saiu foi uma série de diálogos sobre o tema de Teseu e o Minotauro. Este texto tem o nome de Os reis.
- Em que ano este livro foi publicado?
Foi em 1948 ou 1949, dois anos antes de eu ir embora da Argentina. Quando saí do meu país, novembro de 1951, foi lançado Bestiário, o primeiro livro de contos publicado pela Editorial Sudamericana. Foi um livro que caiu totalmente no silêncio e no vazio, pois era uma época em que os argentinos – e os latino-americanos de um modo geral – olhavam para a Europa e para os Estados Unidos como os grandes modelos literários, enquanto os autores nacionais eram ignorados.
- Voltando ao início de sua carreira, por que você demorou tanto para publicar?
Eu demorei muitíssimo mesmo e não me arrependo de ter agido assim. Eu vivia em um mundo muito literário e estava sempre rodeado de amigos que se dedicavam à literatura, à música ou à pintura. Todos nós tínhamos a ansiedade típica dos jovens que querem ser reconhecidos. Muitos desses amigos, aos 18 anos de idade, já tinham publicado seu primeiro romance, mas, no ano seguinte, eram vistos chorando pelas ruas por estarem arrependidos da publicação de seus livros. E isso não acontecia porque a crítica havia sido dura com eles, mesmo porque ninguém nos criticava. Só os amigos liam seus livros. Eu não sei se foi por vaidade, mas com certeza por ter um espírito crítico muito forte, neguei-me a publicar o que produzia. Cheguei a queimar dois ou três romances, sendo que um deles tinha umas 600 páginas.
- A partir de que momento você começou a ser reconhecido?
Foi a partir de meu segundo livro, publicado no México, chamado Final de jogo, que depois foi ampliado numa edição argentina com o nome de Armas secretas. Foi a partir dessa coletânea de oito contos que comecei a ser lido. Foram estes livros que tiraram das gavetas meus livros anteriores. Quando isso aconteceu, em 1962, eu já estava trabalhando em O jogo da amarelinha.
- Falando sobre O jogo da amarelinha, o que você acha deste livro hoje?
A esta altura da vida, eu tenho uma dupla interpretação de O jogo da amarelinha, que é o livro que mais gosto. Este é o lado positivo. Tenho muita satisfação por tê-lo escrito, porque foi um livro de experimentação, que eu escrevi para pessoas da minha idade e me surpreendi quando o livro saiu na Argentina e comecei a receber cartas de jovens que expressavam o impacto que o livro havia causado neles. Foi uma grande surpresa e também uma grande alegria. Trata-se de um livro que questiona todo o itinerário equivocado da civilização ocidental, busca respostas para as grandes perguntas: quem somos, para onde vamos, qual é o nosso verdadeiro centro, que estamos fazendo nesta vida? É um livro um pouco metafísico, um pouco filosófico – à minha maneira. O lado negativo do livro, que hoje vejo com mais clareza, é que ele é excessivamente individualista. É a história de um personagem sobre todas as coisas e de alguns que giram ao seu redor, todos metidos em si mesmos. Eles não têm nenhum sentimento histórico, nenhuma consciência. Seus problemas pessoais, seus pequenos problemas burgueses ou pequeno-burgueses são o centro de suas vidas. Apesar de esses problemas serem importantes, porque os indivíduos são indivíduos em qualquer tipo de sociedade, o livro peca por não estar aberto à história.
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