"Como médico vali-me da profissão para criar a personagem do médico. O romance em geral não abdica desse gosto de contar no seu set com um médico pelo menos. Balzac tem um: Horácio Bichon, que ele invoca - em artigo de morte - como único capaz de salvá-lo. Paulo Barreto, em Correspondência duma estação de cura - belo romance, aliás -, mostra-nos um que pouco parece saber de glicosúria. Eça de Queiroz abunda em facultativos; Paulo de Medeiros e Albuquerque no seu Dicionário de tipos e personagens de Eça de Queiroz, enumera: Gouveia, Caminha, Juliâo Zuarte (tipo do mais legítimo realismo) e Carlos Eduardo da Maia, que a bem dizer não clinica. Machado de Assis destaca um notável alienista, que descobriu em todos nós "um maníaco de Atenas". ´E o quando basta, portanto, para legitimar a presença do Doutor em Medicina nas intrigas da ficção. Na minha obra há também médicos, incluisive saídos alguns da ortodoxia hipocrática . Esses me deram mais trabalho, sobretudo pela nomeclatura médica. Vou citar um exemplo: chamavam laringotomia o que tratamos de traquetomia. Naquela forma de homicídio-suicídio, que consistia em seccionar a radial, não considerei errada para os meus leitores a expressão corrente de abrir as veias. Arteria era o errado, por que não conduzia senão ar. E o que as veias deviam fornecer era o sangue, de que eram ávidos seus apreciadores..."
Fonte: STEEN, EDla Van. Viver & escrever. vol. 2. Porto Alegre: L&PM, 2008
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