"Sou precisamente um escritor que cultiva a ideia antiga, porém sempre moderna, de que o som e o sentido de uma palavra pertencem um ao outro. Vão juntos. A música da língua deve expressar o que a lógica da língua obriga a crer.”
Fonte: LORENZ, Gunter W. Diálogo com a América Latina. São Paulo: E.P.U., 1973.
"Na literatura... há muito de penoso sacerdócio. É uma posição que se assume muito seriamente, importantemente perante o mundo. Persigo sempre as formas mais altas. Sou um homem de vida ascética. Naquela vitrola que você viu no meu apartamento toco muito disco de Luiz Gonzaga, de Tonico e Tinoco. Aprecio a autência música sertaneja; gosto de modas de viola. Usei algumas em meus livros, recriando-as, em forma de contracanções. O folclore existe para ser recriado. Receio demais os lugares-comuns, as descrições muito exatas, os crepúsculos certinhos, tipo cartões postais. Se abusa muito disso na ficção nacional."
Fonte: Sagarana emotiva: cartas de J. Guimarães Rosa e Paulo Dandas. São Paulo: Duas Cidades, 1997.
"Quando li Guimarães Rosa pela primeira vez já era eu um adulto. Desavisadamente fui lendo como leria qualquer outro texto. Tive a sensação de estar viajando em uma estrada cheia de buracos. Parei. Idas anteriores ao norte de Minas me trouxeram, súbito, a imagem sonora da fala do povo de lá. Voltei a ler como eles falavam, como a gente lê poesia, lentamente e em voz alta. Foi como se uma imagem de terceira dimensão pulasse à minha frente. Um outro universo foi criado e uma música começou a jorrar daquele texto. Não uma música que eu compunha, mas sim uma que já estava lá, composta pelo próprio autor. Ocorreu-me que João Rosa era músico e aquele texto era puro devaneio sonoro. Seu ritmo híbrido, suas inúmeras fórmulas de compasso, números primos, quiálteras, superposições rítmicas, contrapontos. Era tudo de uma complexidade singular; diversa, como diria o autor. Percebi então que aquele músico escritor era imperativo ao exigir de nós, leitores, que lêssemos entoando a música que ele imaginou, no andamento que ele quis e com a entoação que ele sonhara. Era uma música idiomática que brotava a partir de uma cultura e um lugar específicos. No entanto, suas sagas, suas histórias, por mais localizadas que fossem, eram universais, pois tratavam de dramas presentes na existência humana; que são iguais aqui, nas savanas africanas, nas areias do Oriente próximo, nas montanhas do Himalaia ou nas ilhas do Oriente distante. Aquele texto iluminou minha música, aquele homem me trouxe outros sons. A viola que eu já conhecia tomou outra forma nas minhas mãos depois de ler Guimarães Rosa. Pediu-me para ser usada de outra maneira: idiomática, que já era, e agora, universal.
Fonte:
VILELA, Ivan. Como quem planta árvores. Estudos Avançados. 20 (58). São Paulo Sept./Dec. 2006
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