Gilberto Freyre
Sociólogo-Literato ou
Literato-Sociólogo?
Euclides Dourado
Nessa especulação, recebemos uma ajuda substancial do próprio autor. Vejamos sua declaração:“Considero-me, é certo antes escritor do que sociólogo e mesmo do que antropólogo. Minha formação universitária foi sistematicamente, em seu período de estudos de pós-graduação, e do cientista; e é essa formação sistemática que tem estado a serviço de minha vocação maior, que já era então, na vida prática, e profissionalmente, a de escritor”. Vejam que ele coloca o sociólogo a serviço do escritor com ênfase no aspecto profissional, o que melhor define a atividade de uma pessoa.
E explica a dificuldade em enquadrá-lo literária ou cientificamente: “Se sou de difícil classificação como sociólogo - sendo, talvez mais antropólogo ou mais historiador ou mais filósofo da cultura ou da História do que sociólogo sistemático - na mesma situação está o livro intitulado Casa grande & senzala. Digo escritor porque, afinal, é o que principalmente me considero: escritor” . Tais afirmações foram feitas de próprio punho no seu livro Como e porque sou e não sou sociólogo, publicado pela Editora da Universidade de Brasília, em 1968.
Diante de tal convicção, o que se há de falar? Mas, vejamos o que os críticos literários dizem de sua obra mais famosa:
1) Casa Grande & Senzala deixa de ser um livro para transformar-se “em uma espécie de casa grande em miniatura”, dando a sensação “de que os objetos que estuda permanecem vivos e influentes através de seu relato”
Fonte: Citado por Luiz Costa Lima na apresentação do livro ARAUJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e paz: Casa Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994.
2) Antonio Cândido encontrou dificuldade para a avaliar a enormidade do impacto da obra, na época do seu lançamento, dizendo: “sacudiu uma geração inteira, provocando nela um deslumbramento como deve ter havido poucos na história mental do Brasil”.
Fonte: www.interney.net/blogs/lll/2008/10/06/gilberto_freyre
3) Wilson Martins destaca o caráter literário da obra: “um grande escritor, no sentido imediato da expressão. Gilberto Freyre criou um estilo de pensamento e um estilo literário; através de seus livros, o grande público não especializado começou a tomar interesse por temas que, até então, estavam reservados aos especialistas. Assim, mesmo quando os seus pontos de vista despertam reservas, Gilberto Freyre é lido com prazer e fornece estímulo à reflexão”.
Fonte http://www.jstor.org/pss/337044
4) Regina Maria A. F. Gadelha fez notar que “o livro suscitou, desde sua aparição, paixões e críticas, mas nunca indiferença, pois reúne rigor científico e notável erudição, associados a uma enorme comunicabilidade, feito raramente alcançado por trabalho científico dessa envergadura”.
Fonte: www.apropucsp.org.br/revista/r08_r04.htm
5) Para Mario Hélio “Toda a larga discussão em torno do quanto há de literário em Casa-Grande & Senzala (sempre para mais, para os de hoje, e não menos, como constatou Gastão Cruls) seria bem reduzida se todos atentassem para a informação simples de que, no tempo de Gilberto Freyre, historiadores e cientistas sociais tinham gosto, formação e estilo literário. CG&S é um dos melhores exemplos disso”.
Fonte: www.continentemulticultural.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1293&Itemid=101
6) Para completar, temos o fato de seu amigo e biógrafo Edson Nery da Fonseca ficar irritado com quem reconhecia Gilberto Freyre apenas como sociólogo e não como escritor.
Fonte: Piaui, nº 72, set. 2012.
As críticas feitas ao livro pelos sociólogos mais contemporâneos são muitas e não são objeto desta especulação. A intenção aqui foi apenas registrar seu aspecto literário, o que se completa com a afirmação de Wilson Martins dizendo que Gilberto Freyre criou um estilo literário.
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