Euclides Dourado

     É sabido que Glauber Rocha foi precoce em tudo na vida... e na morte também. Aos 10 anos escreveu uma peça - El hilito de oro - e fez o papel do ator principal: o príncipe espanhol. Não deixa de ser um prenúncio, este seu primeiro trabalho literário anunciando um fio de ouro.
 

    Em seguida, aos 13 anos, participa como crítico de cinema de um programa de rádio; e escreve ao Tio dizendo que deseja ser escritor. Participa ativamente da vida cultural da cidade criando grupos teatrais, e a Cooperativa Cinematográfica Iemanjá, em 1956. No ano seguinte, aos 18 anos, escreve regularmente para o semanário O Momento, Sete Dias, e as revistas Mapa e Ângulos. São publicações culturais de caráter marcadamente político. Consagra-se como jornalista no ano seguinte assumindo a direção do suplemento literário do Jornal da Bahia, e escrevendo para a seção de Artes e Letras do Diário de Notícias de Salvador e para o suplemento dominical do Jornal do Brasil.
     

    Se aceitarmos que o jornalismo é um gênero literário, teremos que admitir, então, que ele começou como literato. Mas, o cinema estava presente desde os 18 anos, com a filmagem de O Pátio. Dois anos depois, uma nova filmagem não concluída de seu próprio conto: A cruz na praça. A partir daí sua biografia é inteiramente cinematográfica, e gostando ou não de sua arte, ninguém lhe tira o mérito de ter inovado no cinema, particularmente no cinema brasileiro com o advento do “cinema novo”.
     

    Sob esse ponto de vista Glauber é um literato que se tornou cineasta, sem abandonar a literatura. Poderia se dizer que na sua missão de mostrar ou revelar a realidade, o jornalismo não estava sendo suficiente. Havia o desejo de revelar uma realidade de outra forma. O cinema surge, então, com toda sua força além da força (estilo) que Glauber imprimiu à esta arte. Logo, o resultado não poderia deixar de ser um cinema diferenciado, contundente, com fortes características literárias.
    

     Jean-Luc Godard, seu colega cineasta francês também passou por fase semelhante. Declarou que gostaria de ter sido romancista, mas não havendo talento para isto, foi fazer cinema. Como não poderia ser diferente, um cinema mais literário. Só que no caso de Glauber, havia talento para a literatura. Mas como havia talento demais, acabou transbordando para o cinema.
     

     Só mais tarde, aos 39 anos, é que decide escrever um romance: Riverão Sussuarana e declara sua intenção de se tornar romancista. “Eu pretendo, lenta e gradualmente, passar a ser mais romancista e menos cineasta. Não quero mais filmar tanto, porque acho que meus livros acabarão sendo filmados por mim ou por outra pessoa”. Está visto que se Glauber não tivesse falecido três anos depois, teríamos agora um dedicado romancista, um literato de mão cheia, hábil tanto na literatura de ficção como nos ensaios que deixou à posteridade. Mesmo assim, sabemos que deixou manuscrito uma meia dúzia de livros que continuam inéditos no “Tempo Glauber”, a Fundação mantida por dona Lúcia e Paloma Rocha. Mãe e filha respectivamente.

    Visto sob este ângulo é inócua a questão de saber se Glauber foi um cineasta-literato ou vice-versa. Ele foi as duas coisas simultaneamente. Começou na literatura, se encontrou com o cinema e terminou manifestando o desejo de retornar à literatura.
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Euclides Dourado é um especulador que fica questionando se destacado autor em alguma área é mais literato ou é mais especializado na dita área.