A Enciclopédia nos diz que Nietzsche é um filósofo e poeta. Logo, temos meio caminho andado para afirmar que trata-se de um típico exemplo de Literato-filósofo. Senão vejamos, W. Somerset Maugham, em suas Confissões, ao afirmar a necessidade que os filósofos carecem de escrever bem, diz que "Todos nós sabemos que a filosofia de Nietzsche afetou algumas partes do mundo e poucos afirmarão que a sua influência não foi simplesmente desastrosa. Ela prevaleceu, não pela possível profundeza de pensamento, mas por seu estilo vivo e sua linguagem impressionante". (1)
Em apoio ao pensamento de Maugham, temos os dez mandamentos para escrever com estilo, estabelecidos por Nietzsche:
1 - O que mais importa é a vida: o estilo deve ter vida.
2 - O estilo deve ser apropriado a tua pessoa, em função de uma pessoa determinada a quem tu queres comunicar teu pensamento.
3 - Antes de segurar a caneta, é preciso saber exatamente como se expressaria de viva voz o que se tem que dizer. Escrever deve ser apenas uma imitação.
4- O escritor está longe de possuir todos os meios do orador. Deve, pois, inspirar-se em uma forma de discurso muito expressiva. O resultado escrito, de qualquer modo, aparecerá mais apagado que seu modelo.
5 – A riqueza da vida se traduz na riqueza dos gestos. É preciso aprender a considerar tudo como um gesto: a longitude e a pausa das frases, a pontuação, as respirações; também a escolha das palavras e a sucessão dos argumentos.
6 – Cuidado com o período. Só tem direito a ele aqueles que têm a respiração muito longa quando falam. Para a maioria, o período é apenas uma afetação.
7 – O estilo deve mostrar que tu acreditas em teus pensamentos. Deve mostrar não só que pensas neles, mas que os sentes.
8 – Quanto mais abstrata é a verdade que se quer ensinar, mais importante é fazer convergir até ela todos os sentidos do leitor
9 – O tato do bom prosador na escolha de seus meios consiste em aproximar-se da poesia até roçá-la, mas sem ultrapassar jamais o limite que a separa
10 – Não é sensato nem hábil privar o leitor de suas refutações mais fáceis; pelo contrário, é muito sensato e hábil deixar que ele formule a última palavra da nossa sabedoria. (2)
Não deixa de ser oportuna a pergunta: porque um filósofo puro haveria de se preocupar com o estilo da escrita, sobre a arte de escrever? Tal preocupação não estaria mais próxima dos literatos? Mais ainda: se verificarmos os conselhos de Nietszche, veremos a importância que ele dá aos detalhes de uma boa comunicação escrita, dos requisitos de um bom prosador, a escolha das palavras, o período, a respiração, etc. Digamos que tais preocupações podem ocupar a mente de um filósofo. Afinal, como atesta Maugham, ele também é um escritor. Mas não ao ponto de estabelecer um decálogo de procedimentos. Essa tarefa não seria mais adequada às funções de um literato?
Mas, o que importa o fato de ser literato-filósofo ou o contrário? O que acarreta o fato de Nietszche ser isto mais que aquilo? Bem, num caso estamos tratando de literatura, da "invencionice" humana, do que é, do que não é, do que pode ser a realidade humana. Pode ser uma literatura de puro entretenimento, como pode conter conhecimentos, ensinamentos que permanecem, que contém "fantasia suficiente para inventar uma verdade e não uma mentira", como bem disse Mário Benedetti, e arrematou: "Quantas vezes um narrador ou poeta sentem que seu mundo inventado não é, em última instância, uma correção da realidade passada, mas uma proposta de futuro". (3)
Outra coisa é a Filosofia, que especula o que é, o que deve ser, que postula conhecimento e estabelece verdades aceitáveis num determinado momento. É sabido que Nietzsce não inventou o "Niilismo", mas foi seu revigorador, vindo a exercer forte influência em boa parte da Europa no começo do século passado. Pois bem, a idéia aqui não é avançar pela filosofia, mas é conhecida a influência que as correntes filosóficas existencialistas exerceram sobre a literatura a partir do século XIX. Tais influências influências concorreram para o surgimento de uma série de questionamentos sobre a a existência humana, resultantes das crises políticas, sociais e econômicas, intensificadas a partir da década de 1930. (4)
Para concluir, e sem esmiuçar o existencialismo, encontramos entre seus próceres pessoas como Jean-Paul Sartre, que se destacou mais na literatura do que na filosofia. Tudo isto nos leva a crer que a "filosofia", melhor dito, a literatura de Nietzsche exerceu uma poderosa influência entre alguns destacados "filósofos", melhor dito: literatos. Por fim, e reiterando as qualidades literárias de Nietzsche, vemos na mesma enciclopédia no capítulo sobre seu estilo e poesia que ele "escreveu algumas poucas poesias, mas de alta categoria: O outono, Veneza, Na solidão, A canção ébria. Quanto a prosa poética de Also sprach Zarathustra, as opiniões estão hoje divididas. Mas a prosa dos livros anteriores, e dos aforismos, é das melhores em língua alemã e criou uma nova linguagem literária, influência que se percebe em George, em Rilke e em todos os simbolistas" Pois bem, quem criou uma nova linguagem literária é mais filósofo ou é mais literato?
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(1) MAUGHAM, W. Somerset. Confissões. Porto Alegre: Ed. Globo, 1951).
(2) http://www.ciudadseva.com/textos/teoria/opin/nietz01.htm
(3) BENEDETTI, Mario. Tem sentido escrever? Escrita (São Paulo). vol. 14, nº 14, 1976.
(4)Verbetes Nietszche, Niilismo e Existencialismo da Enciclopédia Mirador. 1994.
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Euclides Dourado é
um especulador que fica questionando se destacado autor em alguma área é mais literato ou é mais especializado em dita área.
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