Umberto Eco
Semiólogo-Literato ou
Literato-Semiólogo?
Euclides Dourado
É sabido que Umberto Eco, antes de se consagrar romancista, com o best-seller mundial O nome da rosa (1980), já era respeitado como um importante estudioso da semiologia. Muitos de seus livros publicados anteriormente, tais como Tratado geral de semiótica (1975). A estrutura ausente (1968), Apocalípticos e integrados (1964) e Obra aberta (1962) respaldam essa importância. Assim, vê-se que o semiólogo tornou-se, também, romancista e que desse modo essa especulação, aparentemente, não faz sentido. Umberto Eco é romancista e semiólogo simultaneamente.
Aparentemente porque segundo ele mesmo declarou: “depois que me pus a escrever histórias, (estas) não podiam ser outra coisa senão o registro de uma pesquisa”. O que levou o crítico Marcelo Pen a afirmar que “se Eco de certa forma, como ensaísta, sempre foi um narrador, como narrador nunca deixou de ser um ensaísta” (1). Vê-se na afirmação do crítico – “sempre foi um narrador” – que Eco é, antes de tudo, um narrador, um contador de histórias, um romancista. Mesmo exercendo o papel de crítico literário, área onde é considerado um dos mais competentes, Eco admite seu propósito de elaborar críticas à maneira de uma narração. (2)
Vemos, então, que mesmo exercendo a função de ensaísta ou de crítico, a faceta narrador permanece. E por que essa permanência do narrador? Bem, o próprio autor nos revela que sua tendência, digamos, literária se anuncia bem cedo, “Eu já escrevia quando era criança, mas aquilo foi uma bobagem. Tinha 10 anos quando redigi um texto de cerca de 40 páginas” (3) E sobre que “bobagem” o garoto redigiu 40 páginas? “Meu herói, que batizei de ‘o calendário’, tinha fundado uma civilização em uma ilha imaginária e descrevia como havia construído a linguagem, a religião, os costumes daquela ilha... No final, ele confessava: ‘Peço que me perdoem, menti para vocês. Não sou nem um deus nem um fundador... Tudo é falso”. Vemos aqui um precoce e engenhoso narrador que se anuncia.
Tal precocidade o acompanhou pela adolescência até sentir-se inapto para a escrita criativa durante uns 30 anos. “Depois parei para recomeçar somente às vésperas dos cinqüenta” (2). Durante esse tempo, passa a dedicar-se exclusivamente à reflexão filosófica e à atividade ensaística. Supõe-se, então, que sua capacidade narrativa ficou amortecida (ou amadurecendo?) durante todo esse tempo até 1980, contando com 48 anos, quando surgiu O nome da rosa. Um best-seller de caráter mundial e bem sucedido, também, no cinema. Só assim podemos entender o sucesso alcançado pelo seu primeiro romance.
A partir daí o mundo inteiro passa a conhecer o romancista Umberto Eco. E só a partir desse momento é que muitas pessoas – o público não acadêmico - passam a saber que trata-se de um eminente semiólogo. A consagração do escritor se confirma e reafirma com os romances seguintes: O pêndulo de Foucault (1988), A ilha do dia anterior (1994), Baudolino (2000), A misteriosa chama da Rainha Loana (2004). Tais romances já totalizaram a venda de quase 50 milhões de exemplares em todo o mundo.
E sua outra faceta, dedicada ao estudo da semiologia? Vai muito bem, obrigado, como se constata através de sucessivos lançamentos. São mais de 20 livros escritos após O Nome da rosa, versando sobre a semiótica, filosofia, linguagem, e encontrando tempo até para redigir um manual na área da metodologia científica: Como se faz uma tese (1995). Como se vê, o gosto pela literatura se ampliou até abranger o sentido da escrita. Para arrematar e concluir, seu apego à literatura se estende até o livro com seu último lançamento em parceria com Jean-Claude Carrière. Diante do propalado fim do livro, uma ladainha que vem sendo cantada desde o surgimento da Internet, reforçada agora pelo surgimento do livro eletrônico, eles resolveram se manifestar e alertar: Não contem com o fim do livro (2010).
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Euclides Dourado é
um especulador que fica questionando se destacado autor em alguma área é mais literato ou é mais especializado em dita área.
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(1) Folha de São Paulo, 26/04/2003
(2) ECO, Umberto. Como escrevo. In: Sobre a literatura. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 277-305.
(3) O Estado de São Paulo, 09/05/1999.
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