“Não toco nada. Mas confesso que até hoje tenho um certo fraco pela música dolente, romântica, pela seresta, pela valsa vienense. Quando um filme tem uma valsa vienense como fundo musical, as imagens começam a deslizar mais suavemente, acho uma coisa muito gostosa. Não é grande música. Agora, com o tempo – que diabo – fui educando um pouquinho meu ouvido. Gosto muito de trabalhar ouvindo discos. Mas não sou propriamente um entendido em música, não sei quando o pianista erra. É engraçado, porque se o Mário (de Andrade) notou em mim a noção de ritmo, por extensão devia-se admitir que eu tivesse um ouvido apurado para música. Foi um lapso da minha formação, da formação dos rapazes do meu tempo. Nós nos preocupávamos só com literatura, não víamos a consangüinidade das artes. A literatura está casada intimamente com a música, as artes plásticas etc. \o princípio estético é o mesmo, o impulso de criação é único, apenas diversificado nas suas técnicas e formas de expressão. Acho que um bom poeta, um bom escritor deve ter uma formação musical. Os poetas brasileiros que, a meu ver, chegaram mais perto desse resultado foram Manuel Bandeira, que tocava violão e arranhava o seu piano, e Murilo Mendes, que, segundo me consta, não tocava, mas era um ouvido finíssimo. Quando ouvia Mozart na vitrola, as pessoas que chegassem não podiam nem arrastar uma cadeira, era um sacrilégio fazer barulho na hora que Mozart estava entre eles. Murilo escrevia sobre música, e escrevia bem”.
Fonte: Folha de São Paulo (Foletim), 03/06/1985 – Augusto Masi e Lúcia Nagib
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