"Nunca tive rotina nem cotidiano para escrever as minhas poesias. Escrevia nas horas vagas. Quando não estava trabalhando, estava lendo ou escrevendo. Atualmente o meu dia-a-dia é não fazer nada. Há um ano não vou sequer à Academia Brasileira de Letras. Além da visão, também estou fraco das pernas. Não posso ler, fato que está me deprimindo muito. Ainda me interesso um pouco por futebol, mas só acompanho pelo ouvido, já que não posso ver televisão. Também escuto notícias no rádio... Meus poemas não têm origem. Eu vejo uma coisa que me interessa e escrevo. Eu não fiz um poema sobre a aspirina? Escrevi também muito sobre o Recife e sobre Sevilha, os dois lugares que mais me marcaram. O que faz ou não está na minha poesia é o acaso. De repente um objeto, ou uma obra de arte, um jogador de futebol, um fato, faz com que eu me interesse e escreva um poema... Eu não acredito em inspiração e nem sou poeta inspirado. O ato de criação para mim é intelectual. Minha poesia trabalha a criação e a construção. Acredito na expiração. Na composição de um poema, primeiro me ocorre um tema e eu tomo nota. Depois vou estudando-o e desenvolvendo-o. Nunca escrevi um poema inspirado, soprado pelo Espírito Santo. Isso eu não sei o que é... Eu tenho muito poucos poemas narrativos: Morte e vida severina é narrativo porque eu fiz para o teatro. O Rio também é narrativo. Fiz O Rio exatamente porque depois que concluí o Cão sem plumas, percebi que tinha deixado o Capibaribe só no Recife. Então resolvi buscar o Capibaribe lá na origem. Como conhecia aquela região, desenvolvi o poema através da ótica do Capibaribe, que se transforma num rio que fala. Já o desenvolvimento da poesia tem para mim uma característica própria. Para falar de um assunto, tenho que falar de diversas coisas. Então concateno aquelas coisas e sai o poema".
Fonte: Correio Braziliense, 18/01/1998 - Gerson Camaroti
|