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                  Biografia familiar

                 2ª Parte: Peripécias do Tio Pastor

                                                                         Cícero da Mata

      Como ia dizendo, a vida transcorria normalmente naquele sítio perto de Jucati. O avô “resgatou” sua autoridade; a avó ficou na dela, numa boa, agora com empregada extra à sua disposição; o tio Beni, o “marido” da moça, achou-se no direito, com justa razão, de fazer-lhe uma visita de vez em quando. Tais visitas se fizeram mais freqüentes, ao ponto de aborrecer o avô.

     “Assim, não dá! Assim, não pode!” Resmungava pelos cantos, sem ter à quem reclamar. Mas essa arrelia não durou muito. Tio Beni com seus quase 20 anos, logo saiu de casa e caiu no mundo no ano de 1930. Para levar a vida, escolheu a profissão de barbeiro ambulante. Todas as ferramentas de trabalho cabiam numa maleta, que carregava para as cidades da redondeza. Em cada lugarejo conseguia uma cadeira emprestada, botava uma pano vermelho pendurado na parede de alguma casa e pronto! Estava montado o “salão”.

     Conversador e matreiro, ele conseguia com certa facilidade não apenas a cadeira e a parede para se instalar numa das cinco cidades onde trabalhava. Sua experiência de casamento vacinou-o contra essa instituição. Assim, ele montou casa e família em cada uma das cidades, e de segunda a sexta-feira fazia o périplo de um profissional responsável, respeitado por todos. Cabelo e barba do juiz, delegado e padre, ele fazia questão de ir fazer na casa do cliente, sem cobrar nada. Tais amizades eram importantes para evitar o falatório na cidade sobre o harém que mantinha, por mais discrição que ele se esforçava em manter.

     Dizem as más línguas, muito prósperas nestes lugares, que o Tio Beni além das cinco “esposas”, ainda arrumava uma ou outra amante para passar o fim de semana não se sabe onde. Pois nestes dias ele não aparecia em nenhuma das cidades onde estava estabelecido. Vendo a situação, tanto hoje como naquela época, é inacreditável que ele pudesse manter aquelas famílias em todas suas demandas, particularmente na parte afetivo-sexual. Até hoje não se sabe como aquele homem franzino conseguia tal proeza. Falou-se, e não se pode duvidar, que ele chegou a ter mais de 50 filhos com as cinco mulheres fixas e as amantes eventuais.

     Às vezes me boto a pensar quantos primos eu devo ter por aquelas bandas. Vamos fazer as contas: 50 primos de 1º grau resultam, numa média cautelosa, em 250 primos de 2º grau, pois a média de cinco filhos gerados por cada primo que montou família é mais do que modesta naquela época e lugar. Meus outros quatro tios lavaram uma vida mais ou menos normal, ou seja, tiveram, cada qual, seus 10 filhos, numa média aproximada. Acrescente-se, portanto, mais 40 primos de 1º grau, resultando em mais 200 primos de 2º grau. Como se vê, a somatória já atinge 90 primos gerados apenas pelos meus tios. Os primos gerados pelas tias não foram muitos, pois eram apenas duas as filhas de meus avós. Além do mais, não foram tão parideiras como era de se esperar.

     Anos depois, Tio Beni mudou-se para São Paulo e teve seu harém reduzido substancialmente. Foi morar nas redondezas de Pirituba, onde não pode manter o mesmo estilo de vida. De qualquer modo não abriu mão totalmente do antigo estilo: ainda continuava com umas poucas amantes espalhadas pelo bairro. Mas de modo reservado, bem diferente da ostensividade que mantinha em Pernambuco. Meu irmão conta que certa vez, por volta dos anos 1960, o Tio Beni estava na Praça da Sé e um rapaz se aproximou dele, perguntando: O senhor se chama Benício? Sim, pois não, em que posso servi-lo? É que eu sou seu filho. O velho ficou sem saber o que fazer, o que falar, mas falou:

- Como assim? Como é o nome de sua mãe?

- Judite, respondeu o rapaz.

- A Judite eu conheço bem, mas você eu não conheço não!

     Dizem que este não foi o único encontro casual que ele teve com os filhos eventuais e desconhecidos. Anos mais tarde, com a idade avançada, ele continuava morando em Pirituba e levando uma vida familiar pacata. Não só pacata, como regrada e até religiosa. Acercou-se de uma igreja evangélica Batista e em pouco tempo virou pastor. Com sua desenvoltura e facilidade de manter relacionamentos, conseguiu reunir um rebanho de crentes mais ou menos do tamanho de sua desconhecida “família”.  

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Links

1ª - Cerimônia de um casamento       

3ª - A grande família

4ª - Primeira Diáspora

5ª - Segunda Diáspora                                                                6ª - Segunda dispersão

7ª -  Terceira diáspora                                                                                   8ª - Terceira dispersão

9ª - A era do matriarcado

10ª - A casa das rosas (e dos espinhos)

11ª - Última diáspora

12ª - Última viagem                                                                                13ª- Epílogo