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           Biografia Familiar

                           3ª parte: A grande família

                                                                          Cícero da Mata

     O Tio pastor saiu de casa para ganhar o mundo em princípios da década de 1930. Deixou os pais e meia dúzia de irmãos e irmãs vivendo naquele sítio nos arredores de Jucati. Viviam da agricultura familiar e algumas  cabeças de gado.  Por esta época o pai contava com 20 anos e já pensava em casar. Mas, muito tímido e catolicão, demorou a encontrar uma noiva. Nas suas andanças pelas redondezas encontrou uma moça de sua idade que também pretendia se casar, mas não com ele. Ela estava interessada num rapaz que pretendia se casar com sua irmã. Toda semana meu pai dava um jeito de passar, à cavalo, por aquele sítio das irmãs solteiras para ver o que podia se arrumar por ali. Minha tia acabou se casando com o preferido de minha mãe, e esta com medo de ficar no caritó, acabou se enamorando de meu pai, mesmo sem estar, digamos, apaixonada. Eram pessoas muito diferentes: Ele era branco, galego, reservado, parecia um padre holandês; ela era morena, cabelos lisos puxado um pouco para índio, muito disposta e conversadeira 

     Namoro mesmo, por assim dizer, não houve. Certo dia de 1932, meu pai passou por ali disposto a dar um novo rumo à vida. Sem que a família da moça soubesse, botou-a na garupa do cavalo e saíram à galope em direção à casa de seus pais. O casamento se deu em seguida e passaram a morar nas terras do avô. A partir daí não se sabe de muita coisa como a vida corria. Mas o que resultou em pouco tempo foi numa fábrica de criança. Uma prodigiosa fábrica que resultou em 14 filhos em menos de 20 anos. A prole começou com mulheres, e em 27/11/1933 nasceu Erotildes; em 2/4/1935 veio Eurides; em 19/5/1937 veio Maria e no ano seguinte, em 18/11/1938, Euclides. Finalmente, um homem na família, e o fim do apego aos nomes iniciados por E. No outro ano, em 10/12/1939, surge mais um homem: Arlindo. Vamos dar um tempo, afinal são quatro filhos – Arlindo morreu antes de completar um ano – para serem criados numa época e lugar de poucos recursos.

     Até aí, a família vivia no sítio, com o pai negociando nas feiras de sábado, em Jupi, e noutros lugares em outros dias. Uma coisa que sabemos hoje é que seu talento não era propriamente talhado para o comércio. De modo que começou a procurar outro ganha-pão, a arrumar uma profissão. Na busca do que fazer, aprendeu, ali mesmo com o irmão mais velho, o ofício de barbeiro e abriu uma barbearia no “centro” da cidade. Por um tempo, a Barbearia abria apenas aos sábados, dia da feira. A partir de 1940,  a família se muda para Jupi, um povoado a 18 km de Garanhuns. Para se ter uma idéia do tamanho do lugarejo, somente em 1958 é que passou a categoria de cidade, contando com uns dois mil habitantes. Pouco tempo depois, já era conhecido de todos no lugar como “João Barbeiro”. E a fábrica de criança retoma a todo vapor: Em 4/3/1941, nasce Luiza; em 25/1/1943, vem Nininha, cujo nome é também Maria. Em 28/2/1944 vem mais um homem - aleluia! - Luiz. Mas infelizmente falece antes de completar um ano. Não tem problema. Quando ele morreu, outra criança já estava a caminho e, assim, não foi preciso fazer outro atestado de nascimento. É só não fazer o atestado de óbito, nem escolher outro nome e, assim faz-se uma economia de tempo e dinheiro dispensando essas formalidades. Luiz "ressuscita" em 16/5/45.  

     Quem não gostou desse arranjo foi o próprio Luiz. Até hoje ele se aborrece com o fato de não constar no censo demográfico nacional, além de ficar um ano mais velho. Em seguida surge mais uma mulher em 3/8/1946: Elza. No outro ano mais uma mulher. Em 22/8/1947 nasce Eroína, mas não resistiu ao primeiro ano de vida. Mais um ano e mais outro homem em 5/9/1948: João.  O bom senso diria que a fábrica de criança poderia parar por aí. Mas, não. Em 9/8/1950 surge aquele que, aparentemente, seria o último filho: José. Aparentemente, porque além de uma dúzia de filhos já se constituir num bom número, demorou muito para que o último surgisse. Em 17/5/1957 nasce mais um, que recebeu o mesmo nome de José. O temporão recebeu esse nome para evitar, segundo a parteira, que tivesse uma morte por afogamento. Desde logo, seu nome passou a ser Zezé para diferenciar do primeiro José. Mas falemos dele no devido tempo.

     A família passa toda a década de 1940 e inícios dos anos 50 em Jupi, com pai estabelecido na Barbearia, levando uma vida pacata naquele pequeno povoado. A calmaria da “cidade” era quebrada de vez em quando por um ônibus que vinha de Garanhuns em direção ao Recife ou vice-versa. Levantava aquele poeirão e, quando parava para descer alguém, a  gente corria para ver quem estava chegando. Quando parava para subir alguém, a gente corria também para ver os viajantes. A estrada cortava o que hoje é o centro da cidade exatamente no meio: a Praça Nossa Senhora do Rosário, padroeira da cidade.

     Por volta dos anos 40, conta-se uma história engraçada que deve ter ficado gravada na memória da “cidade”. Num domingo à tarde, apareceu uma trupe montada em cavalos, com dois jegues carregando uns fardos. Via-se que era um grupo familiar composto de umas 10 pessoas, incluindo algumas crianças, na maior animação, fazendo um barulho danado com o anúncio do circo que ali se apresentaria naquele dia. Um deles, de megafone de lata na boca, instruía para que levassem cadeiras, tamboretes ou algo para sentar, pois o espetáculo deveria começar  às 16 hs. Dizem que quase toda a cidade se dirigiu ao centro, onde ficaram sentados esperando a preparação dos “artistas”, que ficaram do outro lado, separados apenas por uma grande cortina feita de sacos emendados. Uma das moças da trupe passou recolhendo o dinheiro do “ingresso”. Feita a arrecadação, a platéia toda animada passa a esperar a cortina se abrir. A espera durou mais do que necessário para que o espetáculo iniciasse. A platéia foi ficando impaciente, até que alguém resolveu abrir a cortina de lona para reclamar dos “artistas” o porquê da demora. Mas, não havia ninguém para reclamar, nem nada de circo. A trupe fugiu com o dinheiro sem dar o espetáculo.   

     No inicio de 1950, a família contava –  pai, aos 38 e mãe aos 39 anos - com duas moças já quase adultas (Erotildes e Eurides), uma menina-moça (Maria) e um garoto, quase rapaz de 12 anos (Euclides). O resto era tudo criança. Erotildes namorava um rapaz: Albérico, 15 anos mais velho do que ela e vieram a se casar em outubro daquele ano. Eurides também não demorou muito a arrumar namorado: Zé Amorim. Casou-se pouco depois e foi morar em Serra Grande, uma cidade-usina de cana-de-açúcar, em Alagoas. As duas "caipiras" do sítio casaram com dois caras típicos da cidade: Albérico era mecânico de automóveis e meio eletricista; Zé Amorim era soldador. Assim, a família tomou, definitivamente, o rumo da cidade

     Por esta época começou a surgir notícias do sul maravilha. Falava-se de São Paulo como um paraíso, onde havia trabalho para todo mundo. Trabalhava-se em fábricas, na construção de prédios, estradas etc. Havia trabalho para quem quisesse e ganhava-se um bom dinheiro. Logo em seguida surgiram os primeiros paus-de-arara levando famílias inteiras para São Paulo ou, muitas vezes, apenas o chefe da família para ver se era verdade. Se fosse, mandaria buscar o restante. O movimento da barbearia de meu pai não devia ir lá muito bem, porque ele começou a botar na cabeça que, para manter toda aquela família, o melhor era ir para São Paulo.

     A mãe não queria ir de modo algum, nem precisava. Pois o plano do marido era semelhante ao de tantos outros: viajaria apenas com o filho mais velho; passaria um tempo preparando o terreno; depois mandaria buscar toda a família. Dito e feito, em  princípios de 1954 ele embarca num pau-de-arara com Euclides em direção à São Paulo. Esta foi a primeira de algumas viagens feita pela família ao sul maravilha. Outras ocorreram e serão contadas nos próximos capítulos.      

1ª - Cenas de um casamento
2ª - Peripécias do Tio Pastor
4ª - Primeira diáspora

5ª - Segunda diáspora

6ª - Segunda dispersão

7ª - Terceira diáspora

8ª - Terceira dispersão

9ª - A era do matriarcado

10ª - A casa das rosas (e dos espinhos)

11ª - Última diáspora

12ª - Úlitma viagem

13ª - Epílogo