Biografia familiar
8ª parte: Terceira dispersão
Cícero da Mata
A terceira dispersão foi completa. Iniciou com o retorno do Pai, Mãe e Zezé para Garanhuns em princípios de 1968. Pouco antes, e sabendo desse retorno, Elza antecipou seu casamento com Milton, e passou a morar na mesma casa juntamente com Luiz, João e José. Mas essa convivência durou pouco. Milton queria exercer algum controle sobre os rapazes, e não deu certo. Logo surgiram os desentendimentos e o casal teve que deixar a casa na mão dos rapazes, que ficaram aguardando a volta dos pais.
Elza e Milton foram morar em São Vicente, e os três rapazes ficaram com a casa, crentes que os pais não se demorariam tanto em Garanhuns. Foi um período de liberdade total para os rapazes, mas também de carência quase total, pois nenhum deles sabia cozinhar, lavar roupa, arrumar casa, etc. As irmãs (Nininha, Maria e Erotildes) que já viviam em São Paulo davam uma ajuda. João, na condição de feirante, sempre trazia umas frutas e verduras. José, aos sábados e domingos, também trabalhava na mesma barraca, e nos fins-de-semana faziam almoços à base de muita verdura e enlatados: salsicha, presuntada, salame, etc. Um cardápio, no mínimo esquisito, mas é o que eles sabiam fazer.
Como era previsto, a viagem dos pais durou pouco mais de um ano. A Mãe passou a atormentar o Pai para voltar. "Eu não vou deixar meus filhos à mingua em São Paulo. Se você não quiser ir, eu vou sozinha", ameaçava. Para apressar sua volta, recebia constantes cartas do querido filho João, reclamando da vida. Em meados de 1969 a ameaça se confirma e ela volta à São Paulo. O Pai demorou uns três meses para voltar também. A família estava de novo reunida na mesma casa em que viviam e a dispersão continua com o casamento dos filhos. Primeiro foi Luiz, casando com Cida ainda em 1969; depois foi João, casando com Rita em 1971; em seguida foi José, que decidiu viajar em 1973. Mas, viajar não é dispersar, pois implica em regresso. Explica-se: José, após formado professor secundário, resolveu viajar pelo mundo num período de uns dez anos. Viajaria de carona, pela América do Sul durante 1 ano; passaria mais um ou dois anos No México trabalhando e procurando meios de entrar legalmente nos Estados Unidos e aí viveria durante uns dois ou três anos, trabalhando e juntando dinheiro para poder viajar para a França, onde viveria por uns cinco anos. Em Paris faria um curso de História, de preferência na Sorbonne. A pretensão do rapaz não era pouca.
O Pai tentou dissuadi-lo dessa aventura: uma viagem longa e com pouquíssimos recursos. Chamou ele numa conversa reservada; ofereceu dinheiro para comprar um fusquinha, e com isso ele poderia dar aulas na periferia de São Paulo. Mas não adiantou, pois na época boa parte dos jovens universitários queriam “sartar” do Brasil. Não queriam conviver com o pior período da ditadura militar: o Governo Médici. Assim, em abril de 1973 José partiu em direção ao Chile de ônibus, passando alguns dias em Foz de Iguaçu, Assunción e interior da Argentina. Na partida da antiga Rodoviária, a despedida contou com umas 20 pessoas entre amigos e familiares, alguns deles chorando e dizendo: Ele não volta mais!.
A aventura só durou seis meses, e José estava de volta. Conseguiu chegar até a fronteira da Colômbia com o Panamá, e voltou ao Brasil entrando pelo Rio Amazonas até Manaus. Daí até São Paulo, foi outra aventura que durou uns dois meses de viagem. Na volta a vida familiar retoma sua rotina, agora reduzida a apenas quatro pessoas: Pai, Mãe, José e Zezé. A bem da verdade eram apenas três, porque José quase não parava em casa. Trabalhava durante o dia; estudava à noite e passava boa parte dos dias e fins de semana na casa de amigos. Levava uma vida quase independente com pouca convivência familiar.
Em janero de 1974 deu-se a maior das dispersões com o falecimento do Pai. Não há nada mais dispersante numa família do que a morte do chefe. É como se a casa ficasse sem dono, e o que restou da família ter que se arrumar sem o comando do patriarca. Para completar o quadro de dispersão, José casou com Luiza em fevereiro de 1975, e a família fica reduzida a duas pessoas: Mãe e Zezé, com 18 anos. A partir de agora a vida familiar é outra e consiste numa mobilização dos filhos casados para mantê-la do melhor modo possível. Acontece que, muitas vezes, o possível não é o suficiente, e a família vai passar por algumas atribulações, como se verá no próximo capítulo.
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