Biografia familiar
11ª parte: Última diáspora
Cícero da Mata
A vida que Mãe estava levando em São Paulo poderia ser muito melhor se ela morasse em Garanhuns junto com Luiza, que vivia sozinha numa grande casa. Esta era a opinião de todos, reforçada pela insistência de Luiza em levá-la. Mas ela relutava mesmo não tendo mais nenhum filho solteiro para cuidar. A saúde piorava a cada dia, e ela não parava de reclamar dos médicos que não lhe davam o atendimento que ela queria.
O único médico que ela gostava era seu neto Juliano, e não somente pelo fato de ser seu neto. Ele atendia e lhe dizia exatamente o que ela queria ouvir.
- Juliano, eu tô com uma arfação e uma tontura, o que será que eu tenho?
Juliano pegava no pulso, fazia cara de paisagem contando os minutos e dava o diagnóstico:
- A senhora não tem nada, vó. A senhora está melhor do que muita gente na sua idade.
Ela ficava boa de repente e exultava:
- Vocês tão vendo!? Isso é que é médico e não aqueles do Posto, onde estão me levando.
Todos os filhos e netos estimulavam sua viagem à Garanhuns, cientes que esta seria sua última viagem. Em sua idade e condições precárias de locomoção, não haveria como fazer outra. Para ajudar a convencê-la, recebíamos cartas de Branca, pedindo para ela voltar. Era mais uma filha em Garanhuns querendo seu retorno. E a viagem seria de avião, pois achavam que ela não agüentaria uma viagem de ônibus com duração de 44 horas.
Tal argumento, ela tomava como mais um empecilho à viagem. Pois, se nunca viajou de avião, não é agora, depois de velha, que iria fazê-la. Mas, por essa época as viagens de avião já estavam ficando mais comuns, e todo mundo só viajava para longe de avião. Saía mais barato do que ônibus, levando em conta o tempo de viagem e a economia com refeições, sem contar o conforto. De modo que toda vez que surgia um aperreio na vida dela, os filhos retomavam a idéia de ela morar com Luiza em Garanhuns. O tempo foi passando até que ela foi aceitando a idéia e admitindo que sua mudança poderia ser uma boa saída para sua situação. Em Garanhuns ela tinha ainda algumas amigas e parentes. Num lugar menos agitado como São Paulo, é melhor passar a velhice, etc. e tal.
Até que em junho de 2004, ficou decidido sua partida definitiva para Garanhuns. Para amenizar sua separação de Zezé, ficou acertado que ele iria levá-la junto com a esposa e Luiza e passaria um mês por lá até ela se acostumar um pouco com a vida nova. Foi marcado o dia da viagem e no sábado anterior fizemos uma grande reunião/almoço com todos os filhos, quase todos os netos e alguns bisnetos. Foi uma festa de despedida, onde a tristeza da partida não teve lugar. Todos estavam contentes, certos que tomaram uma decisão acertada. Vê-se que o título dado a essa penúltima parte da biografia familiar está um pouco forçado. Como pode haver diáspora de uma só pessoa? Mas existe uma justiicativa: sua partida envolveu toda a família e naquele momento parecia que a todos os filhos estavam partindo junto com a matriarca.
A viagem foi realizada, mas antes de completar o mês em que Zezé estaria de volta, ela começou a falar que o bom mesmo era que ela voltasse também; que já havia se acostumado com São Paulo; que em Garanhuns ela já não tinha amigas; e que não agüentaria muito tempo por lá. Mesmo assim, Zezé voltou só e ela ficou a contra-gosto. Dias depois começamos a receber telefonemas de Luiza, falando das reclamações da Mãe. A coisa chegou a um ponto em que ela já não estava agüentando. Via-se que a qualquer momento, ela poderia voltar. Ainda bem que a casa em que ela morava em São Paulo não foi entregue à imobiliária. Os filhos pressentiram que aquela viagem não era a última e que em pouco tempo ela estaria de volta. Dito e feito, três meses depois Mãe desembarca em São Paulo.
Ocorreu, inclusive, uma coisa interessante: com a viagem de ida e volta, ela perdeu o medo de avião, e passou a falar de viajar, só a passeio, para Garanhuns de vez em quando. Não fosse o custo da passagem, ela teria ido mais algumas vezes, pois gostou muito do avião. Desse modo, tudo ficou como dantes no quartel de Abrantes.