Biografia Familiar
9ª Parte: A era do matriarcado
Cícero da Mata
Até aqui não se falou em “era do patriarcado”, mas ela existiu e prevaleceu de modo rigoroso até 1974, conforme pode ser visto nos capítulos anteriores. Só acabou em 1974, obviamente, com o falecimento do Pai. O que se inicia agora é a era em que a Mãe é o centro da família, mesmo sem os filhos manterem uma severa obediência como na era do patriarcado. Até mesmo porque os filhos, já adultos, não permitiam tal comportamento. Mesmo assim, é em torno da Mãe que a família manterá os relacionamentos entre seus membros.
Em 1975 a dona da casa pediu o imóvel e a família teve que se mobilizar para encontrar uma nova moradia para a Mãe e Zezé. A solução encontrada foi eles morarem junto com Zé, recém casado, numa casa da Travessa João Veloso Filho, bem próximo da casa de Erotildes. Zé e a esposa Luiza ficaram num quarto dos fundos e eles ficaram, praticamente, com toda a casa. A divisão foi feita assim para que a Mãe sentisse que morava em sua casa e não na casa do filho. Mas mesmo assim a convivência durou pouco mais de um ano. Não havia grandes desentendimentos entre sogra e nora, mas o pouco que houve foi suficiente para desfazer a moradia conjunta.
Zé e Luiza foram morar no Paraíso e a Mãe e Zezé continuaram na Vila Guilherme morando, agora, num cômodo e cozinha na rua Chico Pontes, pertencente a Dona Laura, proprietária de uma pensão e velha conhecida da família. Esta moradia foi por pouco tempo. Logo a família encontrou uma boa casa na rua Manoel de Almeida, para onde se mudaram e residiram por um bom tempo. Por essa época Zezé trabalhava como ajudante do Sr. Salomão, um judeu vendedor de artigos de mesa, cama e banho à prestação e à domicilio. De modo que a Mãe passava boa parte do dia (e da noite) sozinha e reclamando de “um solidão danado”.
Tal reclamação foi uma característica marcante e duradoura na vida da matriarca a partir dessa época. Em seguida, por volta de 1983, João, casado e com dois filhos, passava por uma situação difícil. Havia perdido o emprego e se encontrava em dificuldades para pagar o aluguel de uma casa. Morou um tempo com a sogra, mas não ia muito bem. Até que em conversas com a Mãe, que sempre foi apegada demais ao “neguinho”, combinaram de morar juntos. Assim, João com a mulher e os dois filhos foram morar na rua Manoel de Almeida.
A convivência, no início, foi boa, mas logo depois de um tempo começou a desandar. A mãe nunca chegou a gostar, e dizia isso a toda hora, de Rita, a mulher do João. Casaram-se contra sua vontade. “Mas agora que estão casados, o que se há de fazer? O jeito é aguentar”. Assim, ela agüentou morar junto com eles. “Por ele eu faço qualquer sacrifício”, não cansava de falar. Mesmo assim, a convivência durou menos de um ano, e a Mãe e Zezé voltaram a morar sozinhos.
Pouco tempo depois Zezé, com quase 30 anos, passou a namorar a sério e o casamento do último filho se anunciava. Um anúncio que assombrava a Mãe. Zezé, além de caçula, era o filho temporão. O apego entre eles era de se admirar, por uns vizinhos; ou de se criticar pelos outros filhos. “Mãe mima muito esse rapaz!” é o que diziam. Assim, ela não podia nem ouvir a palavra casamento dentro de casa. De vez em quando alguém deixava escapar e ela, lá na cozinha, perguntava: “O quê? Quem vai casar?”
Desse modo, sem saber o que fazer direito e pressionado, Zezé casou com Célia em fins de 1987, mas sem avisar a família. Talvez um ou outro irmão tenha ficado sabendo, mas o importante é que a Mãe não soubesse. Porém, como pode ficar se escondendo um fato como este? Mais cedo ou mais tarde, ela haveria de saber. O segredo ficou mantido por mais de um ano. Durante esse tempo, ele dormia ora na sua casa, ora na casa da Mãe. Até que em 1989 o segredo foi descoberto. Foi um Deus-nos-acuda; a Mãe ficou desesperada, mas em alguns momentos de lucidez, dizia – a contra-gosto – que "se ele casou, tem mais é que morar com a mulher dele”. Assim foi feito e assim "o solidão" da mãe se ampliou, iniciando uma nova etapa na era do matriarcado.
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