Biografia familiar
7ª parte: Terceira diáspora
Cícero da Mata
A terceira diáspora ocorreu em meados de 1964 e não tem nada a ver com o “Golpe militar” ocorrido meses antes. Naquela época algumas pessoas foram “retiradas” às pressas e involuntariamente de suas casas; outras foram “retirantes”. Mas a família não era nem uma coisa nem outra. Não tinha qualquer vinculação política com a esquerda da época, e não estava na miséria absoluta precisando se retirar para o “sul maravilha”. Sairam de Garanhuns em direção à São Paulo porque lá a vida estava ficando difícil e, como o Pai já conhecia bem São Paulo, resolveu voltar mais uma vez, na tentativa de uma vida melhor.
A família - composta agora por apenas seis pessoas: Pai, Mãe, Elza, João, José e Zezé – embarcaram num ônibus com todos os apetrechos que pudessem ser carregados e chegaram em São Paulo após 5 dias de viagem. O ônibus chegou pela Via Dutra e logo após passar por Guarulhos, via-se no rosto dos meninos uma mistura de medo e admiração ao vislumbrar aquela enorme montanha de edifícios envolta por uma nuvem cinzenta. Naquela época ainda não havia preocupação ecológica e, portanto, não sabía-se que aquela poluição iria “distinguir” a cidade anos mais tarde..
Ao chegar no Brás, próximo ao Largo da Concórdia, o ponto de chegada de todos os ônibus vindos do Nordeste, pegaram um táxi e foram para a Vila Medeiros, onde vivia Erotildes e sua família, na Rua Groelândia. Era uma casa pequena para acomodar tantos filhos. Mas tiveram que se apertar um pouco mais para receber mais seis pessoas. A hospedagem durou pouco, e logo o Pai encontrou um cômodo e cozinha num cortiço da Vila Guilherme (Rua Chico Pontes, 1030), um lugar mais próximo do centro da cidade, perto das margens do Rio Tietê. No primeiro domingo em terras paulistas, Luiz, que já conhecia a cidade, planejou um passeio com João e José para irem até a Praça da Sé a pé. O passeio durou a tarde inteira e só chegaram em casa à noitinha com João e José cansados, mas contentes por terem conhecido toda a redondeza dos bairros do Pari, Brás e centro da cidade, além do Parque Dom Pedro, que naquela época ainda podia ser chamado de parque
Ficaram pouco mais de um ano nesse cortiço, quando apareceu outro que parecia melhor na Rua Joaquina Ramalho. Parecia melhor devido ao tamanho do cômodo, mas logo viu-se que entraram literalmente numa fria. O cômodo ficava atrás – parede de meia – de um açougue com um grande refrigerador que ficava ligado a noite toda. Era aquele zuuummmm que não deixava ninguém dormir direito e até fazia doer o ouvido. Além do barulho tinha o frio dentro do cômodo, vindo do açougue. A “casa”, onde viviam era tão fria quanto a cidade mesmo para uma família nordestina acostumada com o clima frio de Garanhuns. Felizmente a temporada nessa casa durou pouco. Ninguém agüentava aquilo por muito tempo. Era preciso arrumar outro lugar para morar.
Por sorte encontraram uma casa para alugar ali por perto, na Rua Thealia. Agora sim, estavam numa boa: uma casa com sala, cozinha, dois quartos e até um pequeno quintal, numa rua sem saída. Por aí ficaram por um bom tempo com a família estabilizada. O Pai alugou uma barbearia já montada na Rua Edgard, perto de onde morava; Luiz trabalhava na “Centenário dos Tecidos”, uma loja em que Euclides já trabalhava há algum tempo; Elza passou a trabalhar como auxiliar de escritório; João virou feirante trabalhando numa barraca de cereais de um português; José empregou-se no comércio e passou a estudar à noite no GECA, o Ginásio Estadual Colombo de Almeida, da Vila Guilherme; Zezé, uma criança de 8 anos, não trabalhava. Apenas entretia a Mãe, que não desgrudava dele nem por pouco tempo.
Parecia que a família ia bem pelos idos de 1967: todos empregados, alguns estudando, almoços dominicais com os filhos casados, etc. Quem não se adaptava à cidade era a Mãe, que pela terceira vez morando em São Paulo, não parava de reclamar uma outra volta à Garanhuns. A barbearia, também não ia muito bem e não era apenas aquela do Pai. Nenhuma barbearia de São Paulo podia ir bem em 1968, ano em que a rapaziada resolveu deixar o cabelo crescer. O Pai reclamava: “E agora, com essa moda do cabelo comprido, como é que os barbeiros vão sobreviver?”.
A moda do cabelo comprido se ampliava na mesma proporção dos reclamos da Mãe. Aliás, ela deve ter usado isso como argumento para convencer o Pai a voltar de novo. “Em Garanhuns não tem disso não! Lá, barbeiro ainda tem trabalho”. Com tal argumento e não agüentando mais tanta reclamação, o Pai resolveu voltar. Comunicou à todos a decisão, mas não conseguiu convencer os filhos – quase todos com mais de 18 anos – a irem junto. Assim, em 1968 Pai, Mãe e Zezé, com 11 anos, embarcaram de volta à Garanhuns. Luiz, Elza, João e José ficaram morando na mesma casa, pois estavam crentes que os pais voltariam em menos de um ano.
Dito e feito, em 1969 eles estavam de volta, porque a Mãe não agüentava viver longe de seus filhos. “Não sou doida não ao ponto de abandonar meus meninos num lugar como São Paulo”, era sua justificativa para o retorno tão breve. Logo o Pai arrumou um trabalho de guarda-noturno na Estampotec, uma pequena metalúrgica na Rua Maria Cândida, perto de casa. A vida familiar retoma sua rotina até que os filhos começam a casar ou sair de casa. É o inicio da terceira dispersão.
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